É um cenário alarmante que se espalha pelo Brasil: facções criminosas e milícias impõem seu domínio sobre territórios onde vivem impressionantes 28,5 milhões de brasileiros. Isso significa que 19% de nossa população está sob o controle direto do crime organizado, uma realidade brutal que veio à tona com força total após a recente Operação Contenção.
Realizada em 28 de outubro nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro — reduto do Comando Vermelho (CV) —, a operação mobilizou 2.500 agentes de segurança. O confronto foi intenso, com criminosos usando até drones com granadas, resultando na trágica morte de quatro policiais e 117 bandidos, além da prisão de 99 indivíduos. O governo estadual confirmou que 95% dos mortos possuíam vínculos comprovados com o CV.
A vida nessas áreas é resumida pela declaração de uma empregada doméstica de 58 anos, moradora da Baixada Fluminense: “O segredo para sobreviver é cabeça baixa e boca fechada”. Uma frase que expõe a dura realidade imposta aos cidadãos de bem.
Esse controle territorial do crime tem raízes no Rio dos anos 1980, com a expansão do CV, originado no sistema prisional. Na década de 1990, as milícias, compostas por policiais e ex-policiais, começaram a monopolizar serviços essenciais em bairros inteiros, uma prática logo adotada pelos traficantes.
Hoje, a presença de facções é uma realidade em todos os estados brasileiros, concentrando-se nas áreas mais vulneráveis e com menor presença do Estado. O Atlas da Violência revela que as perdas econômicas anuais dessa criminalidade chegam a 5,9% do PIB nacional, englobando desde a desvalorização imobiliária até prejuízos no turismo e concorrência desleal.
Em Rio das Pedras, Zona Oeste do Rio, um morador foi forçado a fechar seu pequeno mercado por extorsões e ameaças de “se não pagar, leva bala”. Na região metropolitana do Rio, 270 mil domicílios sequer têm acesso a serviços regulares de telefonia celular.
A exploração vai além: em comunidades da Baixada Fluminense, moradores pagam até 50% a mais no condomínio devido à chamada “taxa da portaria”, um valor exigido pelos grupos armados. A Light, concessionária de energia, não consegue combater ligações clandestinas porque seus técnicos são barrados por criminosos. No setor imobiliário, há a grilagem de terrenos e construções irregulares que depois buscam legalização.
A violência afeta diretamente a educação e a saúde. Cerca de 217 mil alunos da rede municipal do Rio têm seus anos letivos interrompidos por tiroteios. Os atendimentos de saúde mental cresceram 25% em 2025 nas redes municipais de áreas dominadas, e o acesso a hospitais é comprometido por barricadas.
A expansão das organizações criminosas se alastra para além do Rio, atingindo estados como Ceará, Bahia, Pernambuco e Amazonas, impulsionada pela disputa de rotas do tráfico. O CV opera com um sistema descentralizado, de “franquias”, enquanto o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, mantém uma estrutura hierárquica rígida.
O resultado é visto em Morada Nova, Ceará, onde aproximadamente 2.000 moradores abandonaram suas casas em julho de 2025, transformando um povoado em cidade fantasma após ameaças. Escolas, igreja e posto de saúde permanecem fechados, com a prefeitura reconhecendo a “situação anormal e emergencial”.
Em Pernambuco, a disputa entre PCC e CV impôs ‘toques de recolher’ pelo WhatsApp na região metropolitana de Recife, após as 22h, transformando morros em zonas de conflito.
Tentativas de solução são poucas e muitas vezes falhas. Embora o programa Usinas da Paz no Pará tenha mostrado alguma redução de crimes letais, iniciativas como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, implementadas em 2008, não obtiveram sucesso duradouro. Após a recente operação no Complexo do Alemão e na Penha, o governo fluminense apenas “anunciou planos” para recuperar as áreas, enquanto a população continua refém.
