Uma força-tarefa de 621 agentes da Receita Federal, do MP de SP, da Polícia Civil, da Polícia Militar e das secretarias de Fazenda acabou de desmantelar um dos maiores esquemas de sonegação e lavagem de dinheiro do setor de combustíveis.
Nesta quinta‑feira (27), a Operação Poço de Lobato foi lançada contra o Grupo Refit – hoje chamado Grupo Fit – que pertence a Ricardo Magro.
Ricardo Magro está na lista de devedores de ICMS: tem R$ 7,6 bilhões em dívida só em São Paulo, é o segundo maior devedor no Rio e figura entre os maiores devedores da União.
O governo estima que o rombo ultrapassa R$ 26 bilhões – cerca de R$ 350 milhões por mês – valor que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz que poderia servir para montar um hospital de médio porte ou vinte escolas por mês.
Foram cumpridos 190 mandados de busca e apreensão em seis estados e no Distrito Federal.
O Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos de SP congelou R$ 8,9 bilhões em bens; a Procuradoria‑Geral da Fazenda Nacional acrescentou mais R$ 1,2 bilhão.
Nas buscas, a polícia encontrou R$ 2 milhões em dinheiro e papéis que revelam uma rede de 188 empresas de fachada usadas para falsificar importações, esconder notas fiscais e inventar operações comerciais.
O inquérito descreve o esquema como “do porto ao posto, sem pagar um centavo de imposto”.
O grupo agia como uma organização criminosa, cometendo crimes contra a ordem tributária, econômica e praticando lavagem de dinheiro.
A base da fraude ficava na Refinaria de Manguinhos, no Rio. Magro comprou a planta em 2008 e a renomeou Refit.
A Receita Federal e a ANP descobriram que a refinaria funcionava acima da capacidade que a lei permite.
O limite legal era de 17 mil barris por dia, mas a usina chegou a produzir até 30 mil.
Para dar a impressão de legalidade, usaram tanques fora de padrão, medições falsas de fluxo e declararam importações de nafta e diesel da Rússia como “produção própria”.
O esquema servia para lavar dinheiro de organizações criminosas, principalmente do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Os recursos eram jogados em fundos de investimento, holdings e offshores nos Estados de Delaware e Texas.
Segundo o inquérito, mais de 15 offshores e 17 fundos movimentaram R$ 72 bilhões em apenas um ano.
Fintechs e sistemas de pagamento dividiam o dinheiro, de modo parecido com o que a Operação Carbono Oculto, de 2024, mostrou ao ligar o PCC a distribuidores de combustível e ao mercado financeiro.
Magro, 51 anos, advogado que já defendeu Eduardo Cunha, vive em Miami desde 2018 e nega tudo.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele alegou ser perseguido e afirmou que suas brigas fiscais são questões de direito, não crimes.
Depois que a Operação Carbono Oculto derrubou algumas distribuidoras, o grupo mudou a estrutura financeira, trocando operadores que mexiam R$ 500 milhões por outros que movimentaram R$ 72 bilhões em 2024.
Em setembro, a ANP fechou a Refit e apreendeu quatro navios que transportavam 180 milhões de litros de combustível importado irregularmente.
Magro já esteve sob investigação da ANP por corrupção e por adulterar bombas, mas o MP de SP acabou arquivando o caso.
O inquérito mostra ligações do esquema com membros do Centrão.
O nome que aparece como principal articulador é Jonathas Assunção, engenheiro e lobista que foi diretor de relações governamentais da Refit.
Assunção já foi secretário‑executivo da Casa Civil na gestão de Ciro Nogueira sob Bolsonaro, chefiou o gabinete do general Walter Braga Netto e chegou ao Conselho de Administração da Petrobras em 2022.
Ele gerenciava offshores e movia emendas que bloqueavam projetos que poderiam punir sonegadores recorrentes.
Ciro Nogueira, presidente do PP, aparece próximo ao caso.
Em maio, foto mostra Nogueira ao lado de Magro num evento da revista Veja, em Nova‑York, que foi patrocinado pela Refit.
O inquérito aponta que aliados de Ciro exerceram pressão para reduzir fiscalizações.
Postagens no X mostram Nogueira, Hugo Motta (Republicanos‑PB, presidente da Câmara) e Antonio Rueda (PSB‑SP) participando do mesmo seminário.
Eduardo Cunha aparece como quem armou a relação entre Magro e Assunção.
Condenado na Lava Jato, Cunha teria criado as primeiras operações que aumentaram os lucros do grupo.
O MBL não tem ligação direta aparente.
O MP de SP apontou um dirigente do MBL como um dos operadores financeiros do esquema internacional.
Cristiano Beraldo, comentarista, dirigente e financiador do MBL, recebeu mandado de busca por supostamente gerir offshores vinculadas a Ricardo Magro.
A juíza Márcia Mayumi Okoda Oshiro decidiu que Beraldo tinha empresas nos EUA com o mesmo endereço das usadas por Magro.
O MPSP entende que a coincidência indica um vínculo operacional e possível ocultação de bens.
Um exemplo é a Cascais Bay LLC, offshore ligada ao grupo de Magro.
Outra offshore é a Oceana KB Real Estate, também associada ao empresário.
O MPSP ainda apontou que Beraldo era CEO da J. Global Energy Inc., empresa que os investigadores consideram parceira internacional da Refinaria de Manguinhos.
A promotoria diz que essa ligação fortalece o uso de offshores para movimentar dinheiro para fora e conectar a cadeia de importação de combustíveis.
O caso Refit lembra o escândalo do Banco Master, que o Banco Central liquidou na Operação Compliance Zero, em novembro de 2025.
Daniel Vorcaro, dono do Master, foi detido por fraudar títulos, lavar dinheiro com créditos de carbono e causar um rombo de R$ 41 bilhões.
O banco vendeu uma carteira inexistente ao BRB, do DF, em uma operação chamada de “resgate”.
Mais uma vez, o Centrão está presente nos bastidores.
Vorcaro tinha contato com Ciro Nogueira, Arthur Lira e Hugo Motta, e pressão foi feita para que o Banco Central liberasse a operação, até com projeto que ajudava a tirar diretores da autarquia.
O caso também tem ligações com o PT, por meio de aliados de Jaques Wagner e fundos de previdência.
Enquanto o Master atuava no setor financeiro, a Refit operava no mercado de combustível importado.
Os dois desviavam dinheiro público para financiar campanhas eleitorais.
Se as delações avançarem, membros do governo e do Congresso podem admitir que estamos diante de uma “Lava Jato do Centrão”.
Dados da PF, da CGU e de relatórios recentes apontam perdas que superam R$ 80 bilhões desde 2022.
Esse número leva em conta só casos bilionários, como Banco Master, Refit e fraudes no INSS nas operações Sem Desconto e Coffee Break.
Até agora, a recuperação de recursos tem sido muito pequena.
O governo Lula não aprofunda as investigações que atingem seu próprio núcleo.
A CGU abriu mais de 40 investigações em 2025, identificando prejuízos de R$ 6 bilhões.
O Brasil despencou para a 107ª colocação no Índice de Percepção da Corrupção, seu pior resultado histórico.
Os números revelam que o sistema político quase não reage aos alertas dos órgãos de controle, enquanto quem está na cadeia são Bolsonaro e seus generais.
Policial federal formado em Direito e Administração de Empresas.
