O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu a um pedido do Senado e decidiu suspender parcialmente a liminar que havia proferido sobre a aplicação da Lei do Impeachment aos ministros da Corte. Além de retirar o processo da pauta de julgamento, incluiu‑o em sessão presencial. Mantiveram‑se, porém, as demais regras da decisão original: a exigência de apoio de dois terços dos senadores (54 dos 81) para iniciar o procedimento de impeachment, em vez da maioria simples (41), e a proibição de afastamento de um ministro na fase intermediária, quando o plenário do Senado avalia a admissibilidade da denúncia. Em essência, tudo permaneceu como antes.
Em sua análise, Gilmar destacou o avanço das discussões no Senado sobre a aprovação de uma legislação que atualize o processo de impeachment de autoridades. Só alterou sua posição após o Senado lhe apresentar o projeto de lei que trata das novas regras. Segundo o ministro, o texto apresentado incorpora elementos da liminar e demonstra um esforço de cooperação entre as instituições, guiado pela prudência, pelo diálogo e pelo respeito às normas constitucionais.
“Tal aprimoramento legislativo não se limita a atender formalmente às determinações do Supremo Tribunal Federal, mas configura ato de elevado espírito público, voltado à preservação da integridade do Poder Judiciário e à proteção da harmonia entre os Poderes.”
Na nova decisão, Gilmar afirmou: “Nesse contexto, entendo que o profícuo debate legislativo em curso evidencia a possibilidade de acolhimento parcial das demandas formuladas pelo Senado Federal. No âmbito do Parlamento, a questão relativa à legitimidade para a apresentação de denúncia por prática de crime de responsabilidade por membros do Poder Judiciário ganhou, após a decisão que proferi, contornos próprios, merecendo exame cuidadoso e aprofundado pelos membros do Congresso Nacional.”
Na decisão anterior, o ministro havia anulado, em grande parte, a Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. O texto apresentado pelo Senado altera apenas uma parte da liminar inicial, preservando o restante para que o projeto que atualiza as normas de responsabilização de autoridades possa ser analisado. O Senado só pode prosseguir com a análise porque Mendes assim determinou; caso contrário, estaria impedido de fazê‑lo. Mesmo assim, a suspensão parcial foi motivada pelo fato de que o projeto de lei destinado a atualizar o processo de impeachment avançou na Comissão de Constituição e Justiça e incorporou a maior parte dos elementos da liminar.
No restante, o texto original mantém as salvaguardas institucionais destinadas a preservar a independência do STF, os filtros que evitam processos de impeachment motivados por pressões políticas e os parâmetros constitucionais que protegem a separação dos Poderes.
“Entendo ser imprescindível a sua manutenção… sobretudo como instrumento de proteção à independência do Poder Judiciário.”
A Casa Legislativa comunicou que o avanço do PL 1.388/2023 representou “fato novo e relevante” após a liminar inicial, exigindo a suspensão do ponto referente à legitimidade para denúncia, a fim de concluir o debate legislativo sem conflito com as regras estabelecidas pelo STF.
O episódio deixou o Senado em posição vulnerável. Quando um ministro, sozinho, decide legislar em benefício próprio e altera uma lei que vigorou por 75 anos sem contrariar a Constituição nem enfrentar resistência no Legislativo, evidencia-se que a Corte não está à altura de sua representação. Ao aceitar, sem contestação, a blindagem do Judiciário por receio de que a direita possa conquistar maioria significativa na Casa em 2026, o Senado confirma a observação de Orwell de que não é o poder que destrói princípios, mas a ausência de limites, de debates e de vigilância. Gilmar, ao reescrever a Lei 1.079/50, criou uma desigualdade marcante no tratamento do impeachment dos ministros, protegendo a si mesmo e a seus colegas de qualquer possibilidade de responsabilização, independentemente de eventuais excessos.
